Conheça os impactos da perda de conhecimento em projetos em redes colaborativas

Aline Faria
Bridge Ecosystem
Published in
7 min readFeb 2, 2021

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Fonte: Pixabay

Você já percebeu a quantidade de conhecimento que desperdiçamos e perdemos no nosso dia a dia? Essa perda de conhecimento é algo que acontece muito frequentemente não apenas conosco, mas especialmente com as empresas. Nesse contexto, o desperdício de conhecimento é algo caro e pode influenciar negativamente a competitividade das firmas. Por esse motivo, a preocupação com a perda de conhecimento tem se tornado algo cada vez mais presente no ambiente de negócios. Assim, uma melhor compreensão a respeito das suas características pode ajudar os profissionais a lidar melhor com essa situação.

Comumente, as práticas e ferramentas que procuram minimizar a perda de conhecimento são focadas nos processos internos das empresas, especialmente no que diz respeito ao conhecimento individual de cada colaborador e nas políticas de sucessão para o caso de um colaborador sair da organização. Contudo, o desafio é majorado quando a complexidade dos projetos aumenta devido à atuação em redes colaborativas. Ou seja, nesses projetos, os fluxos de conhecimentos não estão apenas entre os departamentos da empresa, mas também entre diferentes instituições. Assim sendo, as práticas e ferramentas habitualmente utilizadas para gerenciar o conhecimento interno das empresas podem não ser eficazes no contexto de redes colaborativas. Mas porque isso ocorre?

Quando temos um projeto sendo desenvolvido por diferentes atores de um ecossistema, cada ator enfrenta diferentes problemas no seu dia a dia. Com isso, esses atores desenvolvem hipóteses de soluções desses problemas e as experimentam independentemente, sem comunicar ou repassar o conhecimento a outros. Cada experimento gera um conhecimento intermediário no desenvolvimento de algum produto ou solução específica. É o que chamamos de conhecimento disperso: quando diferentes atores interdependentes geram conhecimentos complementares dispersamente dentro de um ecossistema. A questão é: sem uma estratégia eficaz para lidar com essa dispersão de conhecimento, as informações intermediárias geradas por cada ator podem se perder na medida em que o foco da organização do projeto está na solução final e não nos experimentos intermediários. Além disso, é possível que a empresa parceira da rede não tenha capacidade de absorção dos conhecimentos gerados por seus pares, fazendo com que haja ainda mais desperdício de conhecimento.

Os impactos disso são diversos. Para que você possa perceber mais a fundo as consequências desse tipo de problema, destacamos alguns dos efeitos mais relevantes para você ficar de olho e melhor observar a importância de trabalharmos no sentido de evitar a perda de conhecimento.

  1. As empresas podem perder grandes oportunidades de lançar produtos ou serviços e faturarem em cima deles 💸

Em um ecossistema de inovação, diversas organizações estão buscando a todo o tempo uma nova solução para alguma necessidade do mercado ou mesmo criar alguma demanda — como bem fez Steve Jobs, em 2007, ao lançar smartphones como hoje os conhecemos.

O interessante aqui é notarmos que a constante evolução do mundo não permite perder tempo. A competitividade é cada vez mais forte em um mundo cada dia mais integrado. Nesse sentido, conhecimentos intermediários no processo de desenvolvimento de novos produtos ou serviços são de grande valor para que se possa acelerar a sua criação. Em um ecossistema onde parceiros pesquisam e desenvolvem conhecimentos próximos, manter uma boa comunicação e fazer a constante troca de informação pode ser de grande valia para todos. Com isso, o tempo em que os novos produtos ou serviços podem chegar ao mercado é encurtado.

Já no cenário oposto, em que as organizações não trocam conhecimento entre si, pode acontecer que, no momento em que os consumidores finais tenham acesso ao novo produto ou serviço, ele já não seja útil ou necessário. Dessa maneira, a empresa deixará de trazer novas receitas para si e não terá remunerado os seus esforços de pesquisa e desenvolvimento.

Assim, se o ecossistema se organiza melhor, é possível emplacar a oportunidade certa no momento certo — o célebre timing de mercado — e obter melhores resultados no final do ano, sem dar margem para o concorrente.

2. Desmotivação das equipes 😐

É notória a importância do trabalho na vida de cada indivíduo. Os pensadores antigos já muito discutiam sobre os seus mais diversos aspectos para os seres humanos e o quanto são relevantes na vida das pessoas. O filósofo Sêneca (4 a.c. — 65 d.c.) entendia que o trabalho é o alimento das almas nobres. Nesse sentido, observa-se que trabalhos reconhecidos, seja pela forma de elogios ou pela possibilidade de ver o produto dos esforços tomando forma e se realizando, são de grande valor na motivação dos colaboradores.

Isso pode ser visto de forma ainda mais clara com aqueles que têm os seus esforços laborais ligados direta ou indiretamente à criação. Em geral, diversas são as tentativas antes de se chegar à solução final, e isso faz parte do processo. Entretanto, algumas vezes não se chega lá e os esforços ficam perdidos em vão pelo caminho. Quando repetido muitas vezes, esse processo pode mexer com a motivação das equipes envolvidas e prejudicar a sua produtividade.

Quando o conhecimento é melhor aproveitado pelas organizações presentes no ecossistema, torna-se maior a chance de sucesso do desenvolvimento de novos produtos ou serviços por qualquer um dos seus participantes. Assim, mesmo que uma equipe desenvolva algo que não seja aproveitado pela própria empresa, poder ver o seu trabalho sendo utilizado e levado à frente, mesmo que por outra organização, pode contribuir na motivação daqueles que inicialmente o desenvolveram.

Por outro lado, quando o conhecimento está pulverizado e não integrado no ecossistema, a interação entre os pares do ecossistema é mais fraca nesse sentido. Cada organização pode perder oportunidades de aproveitar conhecimentos intermediários que poderiam ser peças-chaves para o sucesso do trabalho desenvolvido internamente. Nesse cenário, teríamos o trabalho de pelo menos duas equipes diferentes (aquela que cede e aquela que absorve o conhecimento) não sendo aproveitado e gerando frustração nos dois lados.

3. Gasto de recursos monetários e não financeiros: custo de oportunidade 💰

No longo prazo, o impacto do desperdício de conhecimento no ecossistema atinge todos. Com ela, cada firma terá subutilizado seus recursos (gastando mais dinheiro com máquinas, equipamentos e/ou pessoas, por exemplo), não oferecerá o melhor possível aos seus clientes e poderá ter perdido participação de mercado — e, consequentemente, poderá afetar o quanto recebem os sócios ou acionistas. Pode-se imaginar até o reflexo disso transbordando para a sociedade que teria produtos, serviços ou soluções ao seu dispor aquém do conhecimento que já existe. Recursos mal alocados geram o custo da perda da oportunidade de produzir algo aproveitável.

Por outro lado, em um ecossistema mais integrado, em que não haja perda de conhecimento, pode-se imaginar menor perda de tempo para todos e investimentos mais certeiros com retornos mais frequentes. No mesmo sentido, seria possível evitar custos monetários e temporais em vão. Máquinas e funcionários estariam cada vez melhor alocados em esforços que trariam retorno à companhia e não em projetos engavetados. Aqui, a empresa não estaria perdendo oportunidades de alocar os seus recursos nos seus melhores projetos, pois eles não estariam ocupados com aqueles menos eficientes.

O caso real: Kodak

O exemplo da Kodak nos mostra um pouco de todos esses impactos descritos. Em 1975, a empresa vivia o seu ápice com mais de 100.000 funcionários e bilhões de dólares de faturamento anual. Neste ano, Steve Sasson, engenheiro da empresa, criou o que viria a ser a fonte da derrocada da empresa: uma câmera digital que conseguia tirar fotos de até 0,1 megapixel. A Kodak não parou por aí e continuou trabalhando no desenvolvimento dessa tecnologia. Em 1986, desenvolveu uma câmera de 1 megapixel e, em 1991, a primeira câmera digital capaz de mostrar ao seu usuário em tempo real o que a fotografia capturaria.

Fonte: George Eastman House

Além da câmera digital, a Kodak também inventou as telas OLED (desenvolvida em 1979, produzida pela primeira vez em 1999 e atualmente utilizada nos modelos mais recentes dos smartphones da Apple) que possibilitavam grande aumento no nível da qualidade das imagens.

Entretanto, a empresa decidiu engavetar o projeto das câmeras digitais e não o levar adiante, pois temia que as suas invenções canibalizassem as suas principais receitas, que advinham da venda de filmes e câmeras fotográficas tradicionais. Ao resistir à inovação, a empresa perdeu a oportunidade de oferecer ao mercado um produto que poderia ter sido extremamente rentável e viu concorrentes (como Canon, Sony e Fuji) passarem a sua frente ao fazê-lo. Na mesma tacada, a empresa fez muitos funcionários trabalharem em produtos que nunca chegaram às prateleiras e fez com que vissem seus esforços sendo em vão, desmotivando-os. Por último, e de forma mais evidente, a empresa perdeu o mercado no qual era líder, perdendo a oportunidade de faturar bons montantes e alocando recursos em projetos menos rentáveis.

O conhecimento produzido na Kodak foi simplesmente posto de lado e não foi passado nem a parceiros. As câmeras como as conhecemos hoje talvez pudessem estar em nossas mãos há décadas e diversas tecnologias derivadas poderiam ter sido igualmente antecipadas. Um forte impacto então da perda de conhecimento.

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